A invasão do Palácio Tiradentes |
Cheguei à Cinelândia pouco antes das cinco horas da tarde. O povo começa a se concentrar. Nos fundos da igreja alguns PMs. Clima de paz. Estou exatamente sobre o local do monumental comício pelas Diretas Já em 1984. Lembro-me de Milton Nascimento cantando Nos Bailes da Vida. Os olhos umedecem, o coração aperta. Jovens chegam. Uma menina, 18 anos, talvez, de nome Ursula, se dirige a mim: - "Moço, o senhor acha que estamos errados?" Dei um sorriso e disse a ela: - Não, claro que não, estou orgulhoso de vocês!"
Seus olhos brilham, aquele brilho inocente e lindo da juventude, e me diz: "Pena que meu pai não pensa como o senhor, briguei com ele pra vir!" Digo a ela: "Mas ele se preocupa com sua segurança, é por isso, eu faria o mesmo." Tiro uma foto do cartaz que ela portava e caminho entre a multidão que aumenta rapidamente. A alegria impera. Não há nada mais belo que a juventude. Mais à frente encontro um ex-colega da PUC. Quase trinta anos se passaram. Nos abraçamos e ele me diz: "Viemos rejuvenescer, relembrar os velhos tempos de luta contra a ditadura!"
A passeata começa a tomar a Avenida Rio Branco, à frente duas motos com policiais militares, tudo na mais perfeita paz. Uma batucada começa a ditar o ritmo das palavras de ordem. Todas novas para mim, só sobrou o velho, lúdico e tão desrespeitado bordão: "O povo unido jamais será vencido!" Os olhos umedecem novamente, lembro-me do Bira, "velho" e querido companheiro de faculdade que nunca mais vi, e do Messias, falecido ano passado. Olho pra cima e o vejo com seu largo sorriso me dizendo: - "Me representa aí, e se comporta, você não tem mais idade pra ficar paquerando essas gatinhas!" Soltou sua sonora gargalhada e se foi...
Tiro fotos... Chega uma turma com umas bandeiras do PSTU, a multidão protesta, "não tenho partido!"
A velha esquerda perdeu o comando da nova juventude.
Caminhamos... A alegria impera na irreverência do carioca. Cada figura. Estou feliz.
Chego à Cinelândia. Já são sete da noite. A praça tomada pelo povo. Dou uma volta, bebo uma água e resolvo vir embora. Achei que ali era o ponto final e não estava com saco de ouvir discursos.
Para me desviar da massa compacta que toma a Rio Branco, ando pela lateral do Teatro Municipal, passo por trás do Edifício Avenida Central e pego a Rua São José... Chego defronte ao Palácio Tiradentes, sede da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, alguns PMs protegidos por grades, guardam o prédio. Uma pequena multidão está no local, mas muita gente chegando... Resolvo ficar e me acomodo na entrada do Meneses Cortes, um edifício garagem do outro lado da rua. Visão privilegiada. A multidão cresce e grita palavras de ordem contra os policiais. Foguetes começam a espocar. Primeiro para cima... Depois em cima da polícia, que revida com bombas de efeito moral, gás de pimenta e gás lacrimogênio. A multidão recua... Um jovem saca um vidro de vinagre de uma mochila e me oferece, aceito, ele despeja em minha camisa e sinto alívio imediato. Nesse ínterim a multidão avança sobre os policiais... Coquetéis Molotov explodem nas escadarias e os homens de farda fogem... Correm como ratos acuados para dentro do prédio.
Ah! Não me peçam para dizer que não gostei da cena... Gostei, gostei muito, pela primeira vez na vida vi a polícia correr do povo. E foi lindo!
Não sei onde vai dar ou aonde vai chegar esse movimento. Não importa. Vi a "Queda da Bastilha" no Palácio Tiradentes.
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