Revivendo a vida
Silvia Britto
Primavera de 2011
Silvia Britto
Ser mãe é a oportunidade ímpar que a vida nos dá de revivê-la.
O minuto exato em que nos tornamos mãe confunde-se com o instante preciso em que nascemos de novo.
Ao som do primeiro choro e à primeira visão do nosso fruto, sentimos uma alegria imensurável.
Com ela, atingimos a plena sensação de renascimento.
Normalmente não nos contemos ante tal emoção. Choramos.
Nesse momento, fundimo-nos àquela pequena criatura.
Tornamo-nos um só ser.
E a vida recomeça naquele momento mágico.
Somos, mais uma vez, bebês.
Reaprendemos a enxergar o mundo através daqueles pequenos olhos.
Conseguimos adivinhar-lhes os desejos.
Inferimos seus sentimentos e vontades pelo timbre de seus choros.
É fome. É sono. É dor. É dengo...
Cada sorriso nos faz sorrir junto e fazem
De repente, estamos reaprendendo a falar. Falando errado com eles. Repetindo seus sons.
Rimos das coisas mais óbvias. Das situações mais simples. Do pum do palhaço.
Redescobrimos o mundo e lembramos que o céu é azul. Que o fogo queima. Que o cachorro faz au-au.
Recomeçamos a freqüentar festas coloridas, cheias de bolas e brigadeiros.
Quando percebemos, estamos lá no meio do salão, dançando e pulando ao som de Ilariê.
Respondemos bem alto, com toda força de nossos pulmões, qual é o nosso time, quando o mágico pergunta.
Damos vida a animais de massinha, sentamos no chão, tomamos picolé, contamos histórias, corremos no parque.
E eles vão para a escola.
Ficamos os dois com o coração apertado e inseguros.
Quando tiram notas boas, ficamos prosas.
Quando brigam, queremos defendê-los.
Quando dizem que são lindos, ficamos orgulhosas.
É uma sensação extremamente narcísica.
Tomamos os elogios como se fossem pessoais.
Daí eles crescem. E nós também!
Chega a hora de nos encantarmos com a primeira paixão.
De nos emocionarmos com o primeiro beijo.
De chorarmos juntos com a primeira decepção amorosa.
Dos conselhos. Dos consolos. Dos avisos.
Dos "eu te avisei". Dos "é porque é". Dos "tá de castigo".
Das brigas necessárias para a independência.
Da luta que travam para conquistar sua individualidade.
Castigos dados também nos machucam a alma.
Doem em nós. Apesar de eles não acreditarem!
E assim vamos, vida afora com a constante sensação de déjà-vu.
Até que, finalmente, eles nos deixam.
A sensação agora é de vazio.
O mesmo que sentimos quando saímos de casa.
Só que dessa vez estamos do outro lado.
O vazio agora não vem mais acompanhado de excitação.
Vem acompanhado de saudade.
É como se um pedaço nos fosse arrancado.
E, como lá no começo, novamente choramos.
Entretanto, nunca mais estaremos sós.
Ser mãe é para sempre.
Sei que a separação física acontecerá.
Ela já ganha forma.
Ainda tenho alguma estrada a percorrer antes que esse momento me chegue.
Prossigo acostumando-me com a idéia. A vida não para.
Mas se tudo seguir seu curso, mais uma vez renascerei.
E com esse novo renascimento aprenderei uma nova e linda palavra: vovó!
E novamente chorarei.
Primavera de 2011
Belíssimo texto.
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