Acentos e sinais
Silvia Britto
Aboliram o trema. Que pena! Tão singelo e chique.
Os dois pontinhos têm classe.
Adorava deparar-me com palavras que demandavam seu uso.
Agora ficou restrito a nomes próprios e ainda por cima, estrangeiros.
Não conheço nenhum Müller ou Hübner a quem possa aplicá-lo corretamente.
Eu protesto!
Quero comer minha lingüiça tranqüilamente.
Quero continuar sendo bilíngüe.
Quero repetir cinqüenta vezes!
Por que resolveram seqüestrar o trema? POR QUÊ?
Assim, ninguém agüenta!!
Não seria mais sensato acabar com o hífen e o acento da crase, dito, grave?
Acento grave. Pois sim! Acento chato, isso sim!
O grave é um gaiato que só serve para confundir e problematizar a vida de quem vai ou chega e de quem obedece ou desobedece.
Já está perdendo sua importância.
Porque não acabar com ele, que já esta em processo de desaparecimento, antes de mexer com o lindinho do trema?
E o hífen?
Um intrometido que se coloca entre as palavras e que, ainda por cima, se acha no direito de terminar com a letra "N", em pleno idioma Português.
É um travessão que se esqueceu de crescer e por despeito avocou para si o direito de unir a couve à flor.
Por que a proteção? Se bem que já levou um pontapé dessa delicada palavra, que o eliminou de seu interior.
Abalou sua infraestrutura, que também o dispensou.
E se cismarem com os pingos nos "IS"?!?
Ah, não! Se os pingos nos "is" se forem, não mais escreverei ou serei presa por desacato às autoridades gramaticais.
Até o dito popular perderia seu sentido.
As situações seguiriam sem resolução, pois ninguém mais seria capaz de colocar os pingos nos "is".
Se refletirmos bem, na verdade só há dois acentos de verdade: agudo e circunflexo.
Circunflexo...
Nome pomposo pra uma coisita de nada.
Mais adequado seria chamá-lo simplesmente de "chapeuzinho".
Agudo...
Agora resolveram que tenho que colocar acento agudo no meu nome!
Recuso-me terminantemente! Não gosto de acentos! O nome é meu!
E vou deixar em testamento que, se por acaso eu me tornar uma escritora famosa e morta, ninguém terá a minha permissão para me acentuar!
Não posso esquecer-me da cedilha.
Parece uma interrogação que mora em baixo do "C".
De fato, é como fica minha cabeça quando tenho que decidir se sess/ção é com ela ou não. Transformo-me em uma imensa interrogação.
Cheguei a uma conclusão: a cedilha é uma maquiagem usada pelo "C" com complexo de "SS". É a bengala de um “C” recalcado.
Mas causa muita confusão.
Vamos da força à forca numa velocidade absurda!
Loucura total.
Também espero que deixem em paz os sinais etimológicos.
O "H" por exemplo. Muitas vezes não diz a que veio. Mas, e daí?
Sou Silvia Helena com "H".
Estou muito bem obrigada com minha numerologia, seja ela qual for.
Finalmente para não dizerem que vim aqui somente para reclamar, quero deixar registrado que adoro o til.
Lembra-me de uma onda no mar.
Transforma manha em manhã; tanta em tantã.
Tantã... Que linda palavra!
Existe algo mais poderoso do que o ene-a-o-til?
Ou seria ene-a-til-o? Ou ainda ene-til-a-o?
O fato é que com cedilha ou sem cedilha, com til ou sem til, com acento ou sem acento, o Português continua sendo, pra mim, um dos mais lindos idiomas que existem. Não canso de encantar-me com suas armadilhas e minúcias. E digo isso de coração. Com til e cedilha.
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