Entro no Boteco para comprar cigarro e encontro um velho conhecido: Alfredinho Dá Volta, pelo "sobrenome" já deu para perceber a profissão do distinto: 171...sacramentado e juramentado. Não o via há muitos anos, mas pouco havia mudado: continuava com boa aparência, corpo esguio e forte, os cabelos negros estavam um tanto grisalhos, dando um charme extra ao Alfredinho. Inteligente, sedutor e carismático, combinação perfeita para ajudá-lo no exercício da profissão.
Ao me ver, abre um largo sorriso e me dá um longo abraço, em seguida me convida para sentar e beber uma cerveja com ele. Depois das perguntas de praxe, sobre família, onde está morando, o que faz, Alfredinho diz:
- Foi bom te encontrar estou montando um novo negócio e quero sua opinião.
-Diga lá, sou todo ouvidos.
- Vou abrir um igreja, o que acha?
- Igreja...mas você é ateu, sempre foi- respondo.
- E continuo sendo, mas as pessoas não são e a igreja é para elas, não para mim- responde.
- Mas como você vai pregar algo em que não acredita?- indago.
- Besteira, você sempre teve essa mania de querer melhorar a humanidade; a maioria não quer ser melhorada, quer ser enganada, quando vai aprender. É por isso que o capitalismo funciona, vende ilusão às pessoas; religião é a mesma coisa, com a grande vantagem de não pagar imposto e não precisar empate de capital. O ativo sou eu, minha capacidade de vender meu produto: ILUSÂO!...e iludir é comigo mesmo, você sabe.
- Não é bem assim-tento argumentar.
- Claro que é!- exclama incisivo- hoje mais que nunca, tudo é imagem, manipulação. Vou te dar um exemplo, um não, dois: Jesus e Che Guevara. Jesus, meu amigo, era judeu, pobre e, proválvelmente, moreno e baixo, como eram seus contemporâneos. Ora, essa imagem não serve, não vende, criou-se então outro Cristo; quase sempre alto, louro e de olhos azuis, bem de acordo com o padrão de beleza ocidental. Sem falar na pregação dele, qualquer beócio, percebe que se ressuscitasse e pregasse hoje o que pregou há dois mil anos atrás, seria taxado de comunista, retrógrado e que tais.
Fez-se, então a reforma, adaptando-se seus ideais às necessidades do sistema. É assim que funciona...
- Sei, mas...tentei argumentar, não deixou, bebeu um gole de cerveja e continuou:
- Veja o Che Guevara, se não morre jovem estaria como Fidel está hoje, um velho decadente tentando manter um regime falido, que sabemos não ter futuro. Che não, morreu aos 39 anos, perdido naquele fim de mundo e, certo ou errado, lutando por seus ideais. Esqueça os ideais dele, o que vende é sua imagem de mártir, aliada a sua imagem de homem, um homem bonito, com aquele olhar profundo.É isso que vende, virou ícone do capitalismo, sua imagem vende como água...
Essa história de igualdade não existe, conversa fiada daqueles iluministas franceses, o tal de Rosseau, então, com aquela história de bom selvagem; bons nada, eram seres humanos como nós, com sentimentos bons e ruins, faziam guerras entre si, escravizavam os inimigos. Darwin destruiu tudo meu amigo: religião, filosofia, história...
- Alfredinho, esse discurso todo é para justificar sua igreja?- pergunto.
- Não, é para você parar de sonhar com um mundo melhor e se aliar a mim , me emprestando o dinheiro para legalizar a igreja, que vai se chamar Pronto Socorro dos Pecadores- socorro imediato e eficaz para suas dores, da alma ao coração, garantimos seu perdão- milzinho resolve, te pago quando começar a faturar.
- Levanto da mesa e digo:
- Pra cima de mim não Alfredinho, vai dar volta em outro.
- Sabia, você nunca soube ganhar dinheiro, ao menos paga a cerveja e um Jorginho(conhaque Georges Albert)pois, no momento estou duro- diz ele.
- Vou pagar duas cervejas e dois Jorginhos- pela aula, tá bom?
- Ah, então inclui um maço de Holywood aí, a aula foi boa...diz ele rindo.
- Tá legal!- digo, pago a "aula" e saio.
No caminho até em casa penso: tem maluco pra tudo nesse mundo! E logo retruco para mim mesmo: mais maluco é você, que dá papo, e ainda paga...
Convenhamos, Alfredinho sabe como levar a vida: na faixa e com finíssima conversa. Só não dêem a ele nenhum nenhum cargo de responsabilidade. O cara pode nos levar pro buraco rapidinho, rapidinho. A não ser que ele ouça o Chico Buarque e "vá morar lá longe e chacoalhe num trem da central".
ResponderExcluirBom dia , e como tem Alfredinho por aí...vou postar seu poema na quarta, junto com o de um amigo aqui de Niterói. Abraço!
ResponderExcluirAlfredinho tá prontinho pra assumir cargo público Brasília! Ou, melhor ainda, no Congresso.
ResponderExcluirÉ, meu caro, há vários 'Alfredinhos' por aí... Tem razão: somos nós mesmo que formamos (e pagamos) os integrantes desta nossa sociedade.
ResponderExcluirParabéns pelo texto. Abraço a você.